O Projeto de Lei n° 4338/2024 que propõe responsabilizar objetiva e solidariamente os clubes pelos atos de torcidas organizadas financiadas por eles, parte de uma necessidade legítima: combater a violência no esporte e proteger o torcedor. Entretanto, quando analisamos a realidade do futebol feminino, especialmente no âmbito não profissional, surgem lacunas que precisam ser consideradas.
O futebol feminino no Brasil ainda vive uma realidade marcada por:
* ausência de política pública esportiva específica,
* carência de infraestrutura mínima para treinos e jogos,
* escassez de investimento e patrocínio,
* dificuldade de acesso a campos e centros esportivos,
* e muitas vezes completa invisibilidade institucional.
Há clubes femininos que não possuem sequer local fixo para mandar seus jogos. Em muitos estados, equipes precisam negociar espaço em campos municipais ou academias de bairro, disputando horários com outras modalidades. Em outros casos, não há público, não há catraca, não há vendedor de ingresso, e nem mesmo há segurança privada contratada.
Como aplicar, nessas condições, uma norma que exige dos clubes controle e responsabilidade sobre comportamentos de torcedores, considerando que o clube não controla o ambiente onde joga?
Além disso, quando há conflitos, agressões ou descumprimentos disciplinares no futebol feminino não profissional, não existe um Código de Justiça Desportiva específico para o cenário amador feminino. Assim, as atletas, clubes e comissões são julgados pelo CBJD, mecanismo construído para o futebol profissional masculino.
O resultado é um paradoxo jurídico:
* A exigência é profissional.
* A estrutura é amadora.
* A responsabilidade é objetiva.
* O clube não tem poder de prevenção.
Se o Projeto de Lei não fizer distinção entre quem tem condições de cumprir a norma e quem não tem, a consequência será injusta: clubes femininos podem ser penalizados por uma responsabilidade que não possuem meios de evitar.
O debate sobre responsabilidade civil no esporte não pode ignorar o recorte de gênero e a desigualdade estrutural. Antes de punir, é preciso compreender.
O futebol feminino não pede privilégio. Pede equidade, políticas públicas e condições mínimas de existência.
Se queremos responsabilização, precisamos garantir antes:
* acesso a espaços adequados de jogo e treino,
* normas específicas para o esporte amador e feminino,
* incentivo fiscal e patrocínio,
* segurança mínima e protocolo de prevenção.
Sem isso, a legislação pode se tornar um instrumento de exclusão, e não de proteção.
Fortalecer a lei é importante. Fortalecer o futebol feminino é urgente.





