O futebol feminino no Espírito Santo vive um paradoxo doloroso: ele existe, acontece, forma talentos e revela histórias de resistência, mas continua invisível. Após o término do Campeonato Capixaba Feminino, o silêncio que se instalou ao redor da competição reflete a ausência de políticas estruturais, reconhecimento e valorização.
Nenhuma homenagem às campeãs, nenhum destaque às atletas, nenhuma ação pública ou simbólica de celebração. O que deveria ser motivo de orgulho coletivo tornou-se um episódio passageiro, um evento cumprido por obrigação, como se o futebol feminino fosse apenas uma exigência formal e não uma expressão legítima do esporte e da cultura capixaba.
Nesse sentido, o cenário do futebol feminino no Espírito Santo evidencia uma ferida aberta: a falta de continuidade e de investimento. Os clubes que participam do Capixabão Feminino se desdobram para montar elencos, muitas vezes sem patrocínios, sem estrutura adequada e sem apoio governamental.
Terminada a competição, as portas se fecham. Jogadoras, sem contrato formalizado, retornam às suas rotinas com pouco ou nenhum reconhecimento. Muitas jogam por amor, sem salário, sustentadas pela esperança de que o talento algum dia falará mais alto que o descaso.
Sobrevivência
O caso do Prosperidade, atual campeão capixaba, simboliza esse ciclo de resistência e vulnerabilidade. Para manter as atletas ativas, o clube precisa emprestá-las a outros times, um gesto que revela mais sobrevivência do que planejamento.
Essa prática, embora nobre em sua intenção, escancara o abismo da falta de políticas esportivas voltadas à mulher atleta: a ausência de contratos, de segurança jurídica, de patrocínios consistentes e de incentivos públicos permanentes.
O que se observa é que o futebol feminino capixaba, mesmo com potencial de crescimento, permanece refém de uma lógica de invisibilidade. As conquistas não são celebradas, as vozes não são ouvidas e as atletas, ainda que heroínas em campo, são tratadas como figurantes de um espetáculo que o próprio Estado se recusa a enxergar.
Quando o poder público, as federações e as entidades representativas se omitem, o que resta é o sentimento coletivo de que a realização do campeonato é apenas um favor social, e não um compromisso com a igualdade de gênero e o desenvolvimento esportivo.
Essa negligência institucional contribui para a perpetuação de um ciclo cruel: sem investimento, não há estrutura; sem estrutura, não há desempenho sustentável; sem desempenho visível, o investimento nunca chega.
No entanto, as jogadoras persistem, treinam, representam seus clubes e o Estado com dignidade, mesmo quando o retorno social, financeiro e simbólico é mínimo. Essa persistência é o ato mais genuíno de resistência feminina dentro do futebol.
Uma realidade nacional invisibilizada
A realidade vivida no futebol feminino capixaba não é um caso isolado, ela reflete o espelho de muitos outros estados brasileiros. Em diversas regiões do país, o futebol feminino ainda sobrevive em meio à ausência de políticas públicas, à falta de incentivo financeiro e à desvalorização institucional.
As histórias se repetem: clubes sem estrutura, atletas sem contrato, dirigentes que tratam o futebol feminino como mera formalidade e gestões que só se mobilizam em períodos de campeonato. Essa negligência coletiva demonstra que o problema é estrutural e cultural, não apenas local.
O machismo institucional e o desinteresse político atuam como barreiras invisíveis, mas poderosas, que impedem a consolidação de uma base sólida e permanente para o futebol das mulheres no Brasil.
O futebol feminino capixaba não precisa de favores, precisa de reconhecimento, de políticas públicas permanentes, de fiscalização e de investimento real. É inconcebível que campeãs estaduais passem despercebidas, que talentos locais sejam ignorados e que a conquista feminina no esporte seja reduzida ao cumprimento burocrático de um calendário.
O Espírito Santo tem potencial humano e técnico para ser referência, mas falta vontade política e sensibilidade social.
O silêncio após o apito final é, na verdade, um grito sufocado de quem ainda luta para existir no campo e fora dele. Enquanto as homenagens não vêm, as mulheres do futebol seguem resistindo, não por vaidade, mas por propósito. Porque o futebol feminino capixaba não é uma concessão: é uma conquista que o Estado precisa, enfim, aprender a respeitar.





