Não é sobre o futebol. É por ser mulher

Não é sobre o futebol. É por ser mulher.
O futebol ainda hoje reproduz práticas de exclusão e desigualdade quando se trata da presença feminina. (Foto: Sandy James / Sport Recife)

O futebol, considerado historicamente um espaço de hegemonia masculina, ainda hoje reproduz práticas de exclusão e desigualdade quando se trata da presença feminina. 

Apesar do avanço do futebol feminino no Brasil e no mundo, com público crescente, transmissões televisivas, patrocínios e atletas altamente qualificadas, o espaço conquistado ainda é permeado por barreiras estruturais.

Desconstrução

O problema não está na capacidade técnica, na performance esportiva ou no potencial econômico das jogadoras, mas sim no fato de serem mulheres em um ambiente marcado por relações de poder masculinizadas.

Assim, torna-se urgente desconstruir as narrativas machistas que limitam o desenvolvimento profissional e social das mulheres no futebol, compreendendo que a desigualdade não é sobre o esporte em si, mas sobre a condição feminina em uma sociedade ainda estruturalmente patriarcal.

Desse modo, a análise crítica do futebol feminino revela uma contradição central: enquanto as jogadoras demonstram qualidade técnica, disciplina e resultados expressivos, enfrentam salários irrisórios, quando existem, e condições precárias de trabalho. 

Muitas precisam conciliar treinos exaustivos com empregos paralelos para garantir sua subsistência, realidade inimaginável no universo masculino de elite. 

Machismo

Esse cenário expõe um machismo estrutural que insiste em inferiorizar a prática esportiva feminina, justificando a desigualdade de investimento com argumentos de tradição, falta de público ou rentabilidade, mesmo quando os dados de audiência e engajamento social demonstram o contrário.

A falta de políticas públicas efetivas de incentivo, fiscalização e garantia de direitos abre espaço para práticas abusivas e, em alguns casos, para a corrupção, onde dirigentes, majoritariamente homens, se aproveitam de recursos destinados ao desenvolvimento do futebol feminino. 

Misoginia

Essa apropriação reforça uma lógica de dominação, em que a presença da mulher no comando é sistematicamente deslegitimada sob pretextos misóginos: “não entende de futebol”, “não é confiável”, ou “não tem perfil de liderança”. 

O poder de decisão é mantido em círculos masculinos fechados, que não apenas dificultam o ingresso de mulheres em cargos estratégicos, mas também fragilizam aquelas que conseguem chegar, tornando sua permanência instável.

Logo, o paradoxo é evidente: mulheres cada vez mais qualificadas, com formação acadêmica e vivência profissional superior à de muitos homens no setor, continuam sendo marginalizadas. Quando conseguem ocupar espaços, enfrentam resistência, isolamento e desvalorização. 

Direitos

Além disso, entidades representativas muitas vezes não exercem com a mesma intensidade a defesa dos direitos das atletas mulheres, evidenciando um abismo de proteção e reconhecimento em relação aos homens. 

Essa exclusão é reforçada pelo discurso cultural enraizado de que futebol é “coisa de homem”, silenciando a pluralidade de vozes femininas que lutam pela profissionalização da modalidade.

O resultado dessa estrutura é a perpetuação de um ciclo de vulnerabilidade: menos investimento, menos oportunidades, mais precariedade. 

Crescimento

No entanto, mesmo diante desse cenário, o futebol feminino cresce. Cresce porque suas protagonistas resistem, inovam e se reinventam, transformando a luta cotidiana em combustível para a construção de novos caminhos.

Contudo, desconstruir o machismo estrutural no futebol não é uma tarefa exclusiva das mulheres, mas uma responsabilidade coletiva da sociedade, das instituições esportivas e do poder público. 

Reconhecimento

O que está em jogo vai além do esporte: trata-se de uma luta por equidade, dignidade e reconhecimento profissional. O futebol feminino não é menor por ser feminino; é marginalizado porque as mulheres ainda são vistas como intrusas em um espaço tradicionalmente masculino. 

Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para a transformação.

Portanto, afirmar que “não é sobre o futebol, é por ser mulher” significa revelar a essência da desigualdade: a exclusão de mulheres não por falta de talento, mas por estruturas de poder que as afastam das decisões e do reconhecimento. 

O futuro do futebol feminino depende da implementação de políticas públicas sólidas, do combate à corrupção, da valorização das atletas e da abertura de espaços de liderança para mulheres. 

Somente assim será possível romper com o ciclo de marginalização e consolidar um futebol verdadeiramente democrático, inclusivo e representativo.

Foto de Edinalva Brito Gomes

Edinalva Brito Gomes

Advogada Desportiva, especialista em Direito no Futebol, Prática advocatícia em Direito Família e Cível. Pós-graduada em Direito Público - Direito e Processo Trabalhista. Membro da Comissão Direito Desportivo da OAB/ES e Membro do Tribunal de Justiça Desportiva Unificado - TJDU/ES. Presidente da CAAES Mulher, Coordenadora da Seleção de futebol Capixaba de advogadas 2022/2023, Vice-Presidente da Diretoria CAAES Esportes e Coordenadora das Modalidades de Esportes Femininos da CAAES. Presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher (COMDDIM-VV). Presidente Fundadora do Projeto Sempre Vivas ES. Ao longo da trajetória profissional, tem se dedicado à prática advocatícia com um enfoque humanista, sempre buscando promover a justiça e os direitos humanos, com uma atuação marcada pelo compromisso com a ética, a responsabilidade social e a liderança.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *