A declaração de Abel Braga e o debate sobre cultura no futebol 

Declaração Abel Braga
O técnico Abel Braga associou a cor rosa a um xingamento homofóbico durante sua apresentação no Internacional. (Foto: Ricardo Duarte / Internacional)

A repercussão da declaração de Abel Braga, ao associar a cor rosa a um xingamento homofóbico durante sua apresentação no Internacional, ultrapassou a esfera individual e reacendeu discussões estruturais sobre cultura, integridade e responsabilidade no futebol brasileiro. 

Apesar da retratação pública, o episódio expõe a distância ainda existente entre as políticas formais de governança dos clubes e a prática cotidiana em seus ambientes internos.

Nos últimos anos, equipes da Série A às divisões inferiores vêm implementando programas de compliance, integridade e conduta, impulsionados pela profissionalização das SAFs e pela necessidade de adequação a padrões de governança exigidos pelo mercado e por investidores. 

No entanto, especialistas apontam que, sem mudança cultural, tais programas correm o risco de se tornarem apenas medidas administrativas, distantes da realidade dos vestiários.

Preconceito

O caso Abel evidencia esse descompasso. Enquanto clubes reforçam campanhas de inclusão e lançam protocolos de diversidade, declarações que reforçam estereótipos e preconceitos ainda encontram espaço na maior vitrine esportiva do país. 

A situação também reabre discussões sobre a necessidade de formação contínua para atletas, comissões técnicas e dirigentes, além de políticas que abordem a diversidade sob uma perspectiva interseccional.

No contexto do futebol feminino, o episódio ganha contornos ainda mais significativos. Jogadoras convivem com estigmas de gênero, desigualdade estrutural, questionamentos sobre capacidade técnica e ataques ligados à orientação sexual, problemas que evidenciam como a discriminação permanece enraizada no esporte. 

Para profissionais do setor, o discurso de Abel não é um fato isolado, mas sintoma de um ambiente que historicamente naturalizou exclusões.

Coerência

Com a expansão das SAFs, a preocupação também é econômica: declarações de dirigentes ou treinadores podem gerar impacto direto sobre reputação, relacionamento com marcas e credibilidade institucional. 

Por isso, especialistas apontam que boa governança exige coerência entre discurso e prática, e não apenas notas de  desculpas ou ações simbólicas.

O episódio, que rapidamente viralizou nas redes e dividiu opiniões, deixa uma mensagem clara: o futebol brasileiro está em transição, mas a modernização administrativa não será suficiente se não vier acompanhada de mudança comportamental e educacional.

À medida que o futebol feminino cresce, ganha visibilidade e pressiona por ambientes mais justos, a expectativa é que o debate avance para além da polêmica. 

Compromisso

A pauta agora é estrutural, contínua e urgente: garantir que o esporte seja um espaço de respeito, diversidade e integridade, dentro e fora de campo. 

Diante desse cenário, torna-se imprescindível que o futebol brasileiro, em todas as suas esferas, assuma um compromisso ativo com a transformação. 

Não se trata apenas de reagir a episódios isolados, mas de construir políticas sólidas que enfrentem preconceitos estruturais e promovam ambientes realmente seguros e inclusivos. 

A defesa da diversidade, do respeito e da integridade não é pauta acessória: é diretriz ética de um esporte que influencia milhões e que precisa liderar pelo exemplo. 

Ao reivindicar mudanças profundas e sustentáveis, reafirmamos que um futebol mais humano, plural e responsável não é apenas possível, mas necessário para o futuro do jogo e para a sociedade que o constrói e o consome.

Foto de Edinalva Brito Gomes

Edinalva Brito Gomes

Advogada Desportiva, especialista em Direito no Futebol, Prática advocatícia em Direito Família e Cível. Pós-graduada em Direito Público - Direito e Processo Trabalhista. Membro da Comissão Direito Desportivo da OAB/ES e Membro do Tribunal de Justiça Desportiva Unificado - TJDU/ES. Presidente da CAAES Mulher, Coordenadora da Seleção de futebol Capixaba de advogadas 2022/2023, Vice-Presidente da Diretoria CAAES Esportes e Coordenadora das Modalidades de Esportes Femininos da CAAES. Presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher (COMDDIM-VV). Presidente Fundadora do Projeto Sempre Vivas ES. Ao longo da trajetória profissional, tem se dedicado à prática advocatícia com um enfoque humanista, sempre buscando promover a justiça e os direitos humanos, com uma atuação marcada pelo compromisso com a ética, a responsabilidade social e a liderança.

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